06/11/07

Caritas










Olá!!

Hoje gostava de vos contar uma história...
Há algum tempo houve uma festa da língua portuguesa numa escola aqui em Viena onde eu também participei. Ofereci-me para dar um pequeno curso de português e fiquei admirada por encontrar alguns idosos que lá estavam e que falavam em português entre eles! Foi nessa ocasião que tomei conhecimento da existência das “Crianças de Portugal” como elas se apresentam.

Na Áustria existe, desde 1965, a Sociedade Austro-Portuguesa, formada por portugueses e austríacos que foram para Portugal durante a Segunda Guerra Mundial. Essa deslocação foi organizada pela Caritas e teve vários países como destino, sendo Portugal o país que mais crianças acolheu. No total, as famílias portuguesas acolheram cerca de 5 mil crianças! Muitas delas estavam doentes na altura, outras foram deslocadas porque os pais não as podiam sustentar. Durante a Guerra, a Áustria foi muito bombardeada e não havia nada para comer... nem era permitido mendigar... Muitas delas mal conheciam o pai, que estava na Guerra… e muitos desses pais não voltaram.
Essas crianças foram acolhidas por famílias com posses, até porque a maioria das famílias portugesas também não vivia assim tão bem como isso, como se sabe…

No sábado dia 27 de Outubro fomos a um almoço com cerca de 350 pessoas, organizado pela Sociedade Austro-Portuguesa, cujo objectivo foi o de comemorar os 60 anos da ida dessas crianças austríacas para Portugal durante a Segunda Guerra Mundial.
Hoje, estas pessoas têm entre 65 e 70 anos e embora a estadia em Portugal já seja tão distante, essa vivência marcou-as de tal foma que existem, ainda hoje, vários grupos em algumas cidades austríacas, que se reúnem uma vez por mês, sendo que o grupo de Viena se encontra duas vezes por mês!
Esta afectividade ao país podia levar-nos a pensar que lá viveram muitos anos, mas a verdade é que muitas delas não chegaram a ficar em Portugal um ano!
Apesar disso, criaram uma relação afectiva tão grande com a família que os acolheu e com o país, que ainda hoje chamam pais, irmãos, irmãs às famílias de acolhimento!
Falam da família portuguesa com tanto amor ou mais do que falam da família biológica...
Contam como foi triste quando os pais portugueses faleceram...
Contam a emoção de terem recebido roupa nova pela primeira vez e não as roupas em segunda ou terceira mão dos irmãos mais velhos...
Contam como foi comer o primeiro chocolate ou a primeira banana da vida deles...
Muitas ainda foram à escola em Portugal.
Muitas delas ainda falam português (e bem!), outras já esqueceram…
Muitas delas dizem ter esquecido o alemão por completo passados dois meses de chegarem a Portugal, o que as impedia de escrever para a família biológica…
Contam que não queriam voltar para a Áustria e que até havia algumas das famílias de acolhimento que as queriam adoptar…Como neste relato que ouvi:
Durante esse almoço, fiquei muito emocionada quando uma senhora, que estava ao meu lado, me contou que quando teve de voltar para Viena, depois de 11 meses a morar com uma família em Lisboa, já não queria voltar para Viena. Dois meses depois de chegar a Lisboa (a casa, como ela diz) já não sabia falar uma palavra de alemão, só português, e por isso não podia escrever para a família... Ela não queria regressar para a Áustria e a mãe portuguesa queria adoptá-la, mas a mãe biológica não permitiu e destruiu depois todas as recordações que ela levou de Portugal, como cartas e fotografias. Disse-me que achava que a mulher que a recebeu na estação (mãe biológica) era uma estranha e que não queria ir com ela... Segundo ela, a relação entre elas nunca mais foi uma boa relação depois do seu regresso à Áustria...
Imaginem a coitada da mãe, que além de ter perdido o marido na Guerra, ainda perdeu o amor da filha...
Contou-me que 30 anos depois, voltou a Portugal para procurar a família portuguesa... e que a encontrou. A mãe portuguesa tinha uma foto com todos os filhos em cima da cama e lá estava ela na foto... Os olhos dela estavam inundados de lágrimas ao contar o reencontro!
Todos eles falam com um carinho enorme das famílias e do tempo que lá viveram…

Esta vivência foi tão boa, que coloquei a hipótese de escrever o doutoramento sobre estas crianças, mas descobri que já existe um livro sobre o tema, nomeadamente “Um laço de amizade entre Portugal e a Áustria”, escrito pelo Dr. José A. Palma Caetano. Já o encomendei na Assírio e Alvim e depois de o ler, é que vou ver se sobrou alguma coisa para eu contar…

1 comentário:

José Pedrosa disse...

Em criança, na minha aldeia de Mata Mourisca, concelho de Pombal, partilhei brincadeiras e o convívio com o Valentin Pioksten Fedinant, é o nome que ainda recordo,criança austríaca, recolhida através da Caritas Portuguesa, na sequência da Segunda Guerra Mundial.
Gostaria de o encontrar.
Apercebendo-me da sua sensibilidade em relação a este tema,agradeço-lhe, umas dicas que me permitam a sua localização para que eu possa comunicar com ele.